quarta-feira, 12 de maio de 2010

o meu lugar

eu costumava ficar na varanda.
às vezes na rede, às vezes sentada na escadinha da porta.
dali, eu via o sol nascer e se por.
contemplava o brilho da lua.
afastava insetos que insistiam em sugar meu sangue.
cantava.
pensava.
sonhava.
recebia umas visitas.
ficava sozinha.
ia e vinha.
do jeito que era pra ser.
do jeito que eu tinha escolhido.
observava.
mas não ficava ali o tempo todo.
só um pouco.
porque às vezes eu fugia.
mas logo voltava.

da varanda dava pra ver o furacão.
ele rondava o meu lugar.
mas rondava bem de longe.
dava voltas.
às vezes, em círculos.
eu sabia que ele era grande.
era enorme.
fácil perceber, ainda que de longe.
às vezes ele ficava quieto que eu nem o notava.
em outras, parecia que ele se aproximava.
eu ficava com medo.
por muitas vezes pensei que ele iria invadir o meu lugar.
a minha vida.
ele ficou rondando por muito tempo.
me acostumei com ele.
havia momentos que eu esquecia sua existência.

na realidade, eu sabia que ele viria.
eu pensava que podia suportá-lo sem temê-lo.

um dia, ele se aproximou rápido e invadiu o meu lugar.
quanto mais perto ele chegava, mais forte eu me sentia.
e ele chegou.
e eu o temi.
então, subitamente ele me sugou.
e eu fiquei ali, no seu interior, girando e girando sem parar.
foi intenso.

de dentro dele, eu avistava o meu lugar.
continuava tudo lá.
com algumas coisas fora do lugar.
mas ainda era meu lugar.

dentro dele, eu lutei para sair.
eu chorei.
eu achei que não iria ter forças .
eu me senti fraca e pequena.
eu me senti forte e corajosa.
eu sabia que sairia.
só não sabia quando e de que maneira.

um dia, à tarde, antes do sol se por, ele me jogou pra fora.
e eu sai.
cai no meu lugar.
eu estava alegre.
muito alegre.
o medo tinha passado.
mas estava muito confusa também.
tudo ao meu redor estava parado.
como eu deixei.
mas para mim, tudo girava.

no meu lugar, o furacão fez algumas mudanças.
boas.

e quando eu consegui olhar para tudo sem ver nada se movendo,
quando minha mente parou de girar, eu parei.

deixei então de olhar para o meu lugar e para as pessoas que viviam ali comigo.
deixei de olhar o furacão com medo (eu o tinha vencido).

me olhei.

tudo em mim tinha sido modificado.
eu tinha sido chacoalhada de uma maneira,
que nem conseguia perceber as mudanças.
fiquei ali, um bom tempo parada.
apenas me olhando.
precisei ficar em silêncio.
meus pensamentos estavam à mil .
meu corpo estava parado.
então eu chorei.
quase surtei.
o que tinha acontecido comigo?
como eu pude entrar de um jeito, sair de outro e só perceber depois?

não sei.
sei que o furação mudou meu lugar.
ainda não sei como.
e para falar a verdade, não preciso saber.

está bom assim.
estou desbravando o meu lugar.
que continua o mesmo.
apenas não o enxergo como antes.


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